"Ser mãe é ser base, é oferecer uma estrutura. Quando essa estrutura está doente, é grande a possibilidade de adoecer todo o restante. Por isso é tão importante conversarmos sobre a saúde mental das mães..."
(Suzi Mara Freitas Silva, psicóloga psicodramatista)
Suzi discorre sobre uma série de perguntas e traz reflexões e provocações sobre o universo da maternidade **
1. O que a psicologia diz sobre as mães?
"Todos nós sabemos o quanto é fundamental a figura da mãe na vida de uma criança. Ela é uma das grandes responsáveis pelo processo de formação de um Ser, pois, oferece impressões, sensações, sentimentos, além de dosar o ser a referência em segurança e ao mesmo tempo proporcionar independência e autonomia. Esse processo de equilibrar na vida tanta responsabilidade, associada a todas as atividades diárias, é bem complexo e exaustivo. Portanto, antes mesmo de trazer todos esses conceitos, nós profissionais da Saúde Mental, em especial da psicologia, fazemos um alerta para essa sobrecarga materna que vejo inúmeras mães vivenciarem no meu dia-a-dia da prática clínica.
Em uma certa ocasião, estava dando uma palestra que abordava o tema Depressão na Menopausa, e em dado momento do evento, conversamos sobre a diferença da mulher dos anos 50 e da mulher nos dias atuais. Antigamente a mulher era responsável exclusivamente pelo cuidado da casa e dos filhos. A mulher que precisava sair para trabalhar carregava fortemente o título de menos privilegiada por não ter um marido provedor. Para muitas mulheres que se dedicavam exclusivamente aos afazeres domésticos, ficava o desejo de realização em outros níveis, tais como o profissional, no entanto, não havia uma cobrança social para que as coisas se configurassem dessa forma.
Com o passar dos anos, a mulher veio ganhando autonomia financeira e espaços no mercado de trabalho, sendo necessário associar esse ponto com a organização da vida doméstica e o cuidado emocional dos filhos, além da higiene, alimentação, saúde, e a vida escolar. Percebo que hoje a mulher que não possuiu essa autonomia é duramente criticada pelo nosso meio – Já presenciei falas como: “Ela não faz nada, só fica em casa e cuida dos filhos...” – como se fosse leve estar nessa rotina. Tudo isso pode gerar uma pressão interna para que elas se enquadrem dentro do que é considerado correto e motivo de realização. É exatamente esse o ponto que me deixa muito preocupada. Administrar todas essas responsabilidades pode ser adoecedor. Estamos tão acostumados com a sobrecarga materna, que muitos de nós não nos damos conta que a saúde mental das mães precisa de atenção. Estamos vivendo um processo de início de divisão das tarefas com os pais, mas muitas vezes essa nova configuração é barrada em valores sociais cristalizados no que é esperado para o homem e para a mulher. Como resultado disso temos uma quantidade enorme de mães que sofrem em silêncio com a sobrecarga, e com o desejo de criar espaços para o auto cuidado e o cuidado com outras áreas da vida.
Tenho ainda que mencionar que já presenciei muitas mães sendo julgadas por priorizarem sua saúde emocional. Nesse sentido sempre trago a reflexão que ser mãe é ser um ponto de apoio na vida de outra pessoa, portanto, é necessário em primeiro lugar que estejam bem e fortalecidas, para que seja possível desempenhar os seus vários papéis sociais de forma saudável."
2. Quais doenças mentais são mais comuns entre elas?
"É muito comum a incidência de depressão, transtornos de ansiedade, e síndrome do pânico, que se enquadra também nos transtornos de ansiedade."
3. Falando de experiências pessoais e/ou de pacientes que você já atendeu, quais são as principais preocupações que uma pessoa tem no processo de se tornar uma mãe?
"Acredito que as mudanças que a maternidade traz na vida de uma mulher e a responsabilidade por cuidar e educar um outro Ser. Percebo em adição o quanto o processo de reorganização das tarefas, de reorganizar um jeito de estar no mundo, as mudanças físicas e em nível de saúde também são fatores de medo e ansiedade."
4. Em um nível emocional, qual a diferença entre mães de crianças, adultos e de pets?
"Em relação ao ser humano, cada faixa etária tem uma demanda específica. As crianças pequenas passam por muitas transformações em um curto espaço de tempo, isso exige das mães e pais atenção e cuidado com a saúde, imposição de regras, limites, valores e proteção. Já adolescentes, além das mudanças físicas, vivenciam processos mais intensos de desenvolvimento social, portanto, em somatória aos aspectos anteriores, é crucial que as mães e pais estejam atentos a demandas de aconselhamento e orientações. Em relação aos adultos, considera-se ser esta uma fase de independência e autonomia, portanto é importante que os pais ofereçam um porto seguro para que continuem sendo referência para as demandas de orientações. Nota-se que sempre trago a importância materna e paterna para atender a necessidade dos filhos, pensando justamente que, quando é possível a presença de ambos, não haja uma sobrecarga emocional. As demandas emocionais das mães em relação a cada fase, vem muito de encontro com suas inseguranças, angústias e vivências individuais, portanto, é importantíssimo uma rede de apoio social que também acolha as angústias dessas mães frente aos processos de vida de seus filhos. É esperado as preocupações e noites de sono em claro, quando uma mãe se depara com as dificuldades de vida dos filhos, independente das dificuldades emocionais da mãe, portanto, também é recomendado o apoio profissional como forma de fortalecimento, clarificação e tomada de consciência, para que essas mães possam estar com os filhos de modo mais equilibrado.
Em relação aos pets, vejo uma diferença imensa com relação ao cuidado de filhos. Educar um filho é educar uma pessoa, que irá aprender, pensar e tomar decisões que irão trazer impactos sociais. As crianças precisam aprender a distinguir o bem do mal, a fazer escolhas, a controlar suas emoções e a ter autonomia. Sabemos que existem muitas preocupações e envolvimento emocional em relação ao cuidado dos pets, e muitas vezes eles têm a tarefa de suprir demandas emocionais como solidão e o desejo de cuidado de um filho, mas eles não serão como as pessoas e sempre estarão bem desde que sejam supridas suas necessidades."
5. E entre mães biológicas e mães adotivas? Quais as principais preocupações que existem nos dois processos de adoção e de gravidez?
"Tanto as mães biológicas quanto as mães adotivas vivenciam a insegurança e a incerteza pela chegada de um filho o qual não se conhece a personalidade, os gostos, as preferências, as dificuldades, os desejos dessa pessoa, e as habilidades que terá que desenvolver para lidar com esse Ser. Nos dois casos haverá uma mudança de rotina, a mudança da configuração familiar, haverá a apropriação do papel de mãe e os medos decorrentes... e claro, são medos com contextos diferentes, mas os medos existem nos dois casos. De certa forma, tanto na gestação, como na adoção, existe um tempo de espera, com a diferença de que na gestação, há possibilidade de ter uma previsão mais exata em relação a esse tempo, além de que existe todo de processo de mudanças físicas e hormonais, que não acontece na adoção."
6. Em se tratando de saúde mental, qual o impacto que as mães tem no tratamento ou na causa de doenças mentais?
"Ser mãe é ser base, é oferecer uma estrutura. Quando essa estrutura está doente, é grande a possibilidade de adoecer todo o restante. Por isso é tão importante conversamos sobre a saúde mental das mães e também pensarmos sobre possibilidades de auto cuidado e política públicas que proporcionem assistência a essas mulheres. Elas exercem o papel social mais importante, que é o de educar uma pessoa que futuramente poderá trazer importantes contribuições sociais, por isso merecem todo o suporte, cuidado e atenção."
7. Ainda sobre saúde mental, quais os principais cuidados que as mães devem ter com os filhos durante a quarentena e a pandemia em geral?
"O confinamento não tem prejudicado apenas nas interações e desenvolvimento social das crianças, ele também tem contribuído para a dificuldade de gasto energético, que muitas vezes resultam em agitação, irritabilidade, alterações no sono, além de outros sinais de dificuldade emocional, como ansiedade e depressão. Além desses pontos, tenho visto a dificuldade com alguns comportamentos, como voltar a pedir chupeta, ir para a cama dos pais a noite, e o retrocesso em relação ao desfralde. Tudo isso pode ser sinais de que a criança necessita de um ponto de segurança e estabilidade vinda por parte dos adultos que convivem com elas.
Para todas essas questões, uma das saídas inclui abrir espaços para conversar com os pequenos, dando explicações de forma honesta, clara, e respeitando os limites da idade maturacional, lembrando que é preciso ouvir o que as crianças estão imaginando para ajudarmos a lidar com as fantasias. É importante ainda estabelecer uma rotina com horários para dormir, acordar, se alimentar, realizar atividades e brincar. A rotina traz a noção de segurança, e quando a criança fica tranquila, ela dorme melhor. É importante destacar que o sono noturno é fundamental para o aprendizado, e existem vários estudos que trazem sua importância para o desenvolvimento cognitivo e emocional.
Outra dica importante diz respeito às questões físicas e gasto energético. Estimule as crianças a correr, brincar, permita que pule no sofá... estimular a movimentação é um importante aliado no controle emocional e no processo de desenvolvimento motor, uma vez que o ambiente doméstico pode se tornar mais restritivo para a criança."
8. Durante essa pandemia, houve um notável crescimento no número de gestantes. O que a psicologia diz sobre esse fenômeno?
"Na verdade, nesse momento a psicologia tem se preocupado muito com a saúde mental dessas gestantes. A gestação já é marcada pelo medo e pela angústia para muitas mulheres, sem contar que a gestação e o puerpério (fase pós-parto em que a mulher experimenta modificações físicas e psíquicas) são fatores de risco para a evolução do adoecimento emocional. Tudo isso, associado com o receio da contaminação pelo Coronavírus e suas complicações decorrentes, temos cenário em que essas mães passam a enfrentar a situação com pavor acentuado e com muito temor. Além do acolhimento dessas mães e o auxílio para lidar com muitas crenças disfuncionais, a psicologia tem orientado principalmente a equipe assistencial que acompanham essas mães, a manter as constantes orientações acerca do que é esperado para cada fase gestacional visando o acolhimento dessas angústias, e o acompanhamento detalhado da saúde da gestante. Devo acrescentar que essas demandas de angústias são esperadas para o momento em que vivemos."
9. Nossa sociedade ainda é muito machista e, por muitas vezes, propaga discursos que pintam a figura da mulher como útil somente para procriação. E quando a mulher opta por não ser mãe, normalmente às criticas e pressões vêm justamente das pessoas mais próximas à ela. Como ela pode lidar com isso no dia a dia dela? Quais cuidados ela deve ter para manter a saúde mental em dia?
"Ao logo do tempo, o papel da mulher veio sofrendo grandes modificações. Hoje a mulher pode desempenhar muitos papéis, inclusive optar pela não maternidade, entretanto, vejo que esse é um ponto em construção em termos de valores, pois a mulher ainda é associada à maternidade como primeira opção de vida. Percebo que muitas mulheres optam pela não maternidade por terem outros planos, tais como suas carreiras profissionais, portanto é necessário ter o cuidado para não se estabelecer uma visão reducionista, que enxerga a não maternidade como uma consequência da história de vida da mulher, especialmente no que diz respeito a relacionamentos amorosos mal sucedidos.
Acredito que ter consciência de suas escolhas, se fortalecer em suas crenças e seus propósitos são importantes ferramentas, não apenas para se proteger dessas visões cristalizadas e conservadoras que nos deparamos diariamente, mas também para que seja possível serem compreendidas socialmente, e de certa forma auxiliar indiretamente nesse processo de transformação e ampliação social."
10. Em vista disso, existe diferença no desenvolvimento psicológico de crianças que crescem em uma família hétero ou LGBTQI+?
"Já vi algumas pesquisas que revelaram que filhos de mães lésbicas ou pais gays se desenvolvem da mesma maneira que pais heterossexuais. Na verdade, o desenvolvimento da criança não depende do tipo de família, mas do vínculo que será estabelecido entre eles - a segurança, o afeto, o carinho, a imposição de regras e limites. Um dos grandes mitos sobre essa questão está relacionado a criança precisar de um pai e uma mãe como referencial de masculino e feminino, pois pessoas que compõe a rede de apoio podem tranquilamente ser referencial para os pequenos.
Certamente essas crianças poderão sofrer preconceito em meios como o escolar, mas precisamos considerar que qualquer característica que traga a diferença, pode ser alvo de preconceito."
11. Agora sobre pessoas LGBTQI+, o fardo de uma mãe de uma pessoa LGBTQI+ numa sociedade lgbtfóbica e machista é muito difícil. Quais conselhos você pode dar para elas?
"De maneira alguma considero um fardo. Quando estava grávida, conversava muito com meu marido sobre essa questão, e era muito claro para nós que o mais importante era aceitar nosso bebê e nosso futuro adulto em sua essência e respeitando suas escolhas. Enquanto mãe, me preocupava com as possíveis dificuldades que minha filha poderia vivenciar se por acaso se encontrasse nesse caminho, e dificuldades digo principalmente em social devido a julgamentos e preconceitos que sabemos que ainda em dias atuais, são intensos e destrutivos. Me preparava internamente para apoiar, orientar, dar colo e estimular a todo momento minha filha a nunca desistir de si mesma. Acredito que o fortalecimento interno para apoiar um filho em seu caminho é sempre a escolha mais saudável, até para que os filhos sintam-se confiantes e empoderados para enfrentar os obstáculos de vida."
12. Sobre depressão pós parto, quais sintomas são mais comuns e quais os melhores tratamentos?
"Os sintomas de depressão pós parto podem variar de leve a grave. Entre os sintomas encontramos o humor depressivo ou alterações de humor, choro, dificuldade em desenvolver vínculo com o bebê, alterações de apetite (que seria falta ou comer em excesso), disfunções com o sono, fadiga, irritabilidade, redução do prazer, medo de não ser uma boa mãe, ansiedade e pensamentos relacionados a prejudicar a si mesma ou ao bebê. O tratamento pode incluir psicoterapia, antidepressivos ou o tratamento de reposição hormonal.
Vale acrescentar que é muito recorrente o baby blues, que chamamos também de tristeza materna. Ela acontece entre dois a três dias após o nascimento do bebê e ela difere da depressão pós parto por durar até duas semanas."
13. Soubemos que você engravidou há pouco tempo e infelizmente teve complicações que resultaram na perda do bebê. Sentimos muito. Se você estiver à vontade, claro, você poderia compartilhar como foi passar por essa experiência?
"Um dos maiores ensinamentos é perceber que uma mulher nunca está preparada para ser mãe até se tornar mãe, independente se você tem 15 anos, 20 anos, 30 anos. Descobri que a gente se prepara com a vivência do processo. Infelizmente não pude acompanhar o processo de desenvolvimento da minha filha, mas acredito que igualmente, a gente se prepara para ser mãe de um adolescente quando o seu filho entra na adolescência, e se prepara para ser mãe de um adulto quando ele já está vivenciando essa fase.
Quando pensava em ser mãe, sempre me visualizava como uma mãe forte, guerreira, que jamais iria deixar abater pela intensidade dos sintomas gestacionais e, de fato, foi assim que conduzi as coisas. Segurei muito, talvez até demais, e hoje compreendo que toda gestante precisa sim surtar no plantão hospitalar, mesmo que as pessoas ali te julguem como mais uma grávida dando trabalho. As mudanças corporais são intensas demais, seu organismo muda por completo ao receber um novo ser, e isso me fez perceber que nesse momento, não é hora para segurar a onda sozinha e bancar a forte e guerreira.
Quando minha filha morreu, estava entrando no sexto mês de gestação. Precisei ter o parto normal, pois a opção para cesariana poderia acarretar em um corte profundo demais e iria me deixar mais vulnerável a possíveis complicações. O processo todo foi consciente e vi minha filha nascer sem vida e já toda formada. Talvez esse tenha sido meu maior momento de dor, e ainda hoje é um pouco difícil falar disso sem me emocionar.
Para o pós, optei por aprender com minha pequena para que a vinda dela não seja em vão. Tem dias ainda que são muito difíceis, mas foi uma escolha minha e do meu marido - e a nosso ver, muito saudável - não negar a existência dela. Helena será sempre nossa primeira filha, sempre irá ocupar seu lugar em nossa família, e se tivermos o privilégio de termos outros filhos, eles saberão que tiveram uma irmã mais velha que se foi quando ainda estava no útero."
14. Em se falando de saúde mental, quais conselhos você pode dar para alguém que passou pelo mesmo que você?
"Este será um momento de muita dor, então se permita viver esse luto, chorar, sentir esse momento. Com o passar do tempo essa dor ameniza - terão dias melhores e outros piores. Vivenciar essa oscilação é natural e também faz parte do processo.
Algumas pessoas não entenderão sua dor porque, afinal, para eles seu filho não existiu, então cuidado com a expectativa de compreensão! Ter empatia não é um dom para todos.
Algumas pessoas te olharão com olhar de pena, não saberão como falar com você sobre esse assunto, e tudo bem, a perda é um tema realmente difícil de ser abordado.
Tudo bem você se incomodar com a presença de outros bebês. De certa forma é uma situação que te fará lembrar do que você viveu e aos poucos isso também ficará mais ameno.
Nunca negue a existência de seu filho. Pode até ser que seu bebê tenha existido por pouco tempo, mas ainda assim ocupou um importante espaço na sua família. É saudável que todos os membros familiares conheçam sua história e suas origens para que ocupem suas reais posições na configuração familiar.
Respeite seu tempo, seus limites, suas limitações físicas, mas é importante que aos poucos retome suas atividades e seus projetos de vida. Isso te fará aos poucos se sentir mais forte."
** Suzi Mara Freitas Silva é psicóloga psicodramatista e atua na área desde 2010 sob o CRP 06/98421. Formou-se pelo Centro Universitário de Franca - Uni-FACEF e especializou-se pelo centro de formação Celeiro Espaço Sociodramático, no interior de São Paulo.
Sua área de especialização, o Psicodrama, é uma metodologia psicoterapêutica que pode ser definida como a investigação da alma através da ação. Tem como alicerce a espontaneidade, a criatividade e a empatia, e possui fundamentações baseadas no teatro e nas inter-relações, mas aplicadas com conotação terapêutica e psicológica. Essa metodologia visa o desenvolvimento dos indivíduos, trabalhando no sentido de ampliar seus repertórios de respostas para enfrentar situações novas ou auxiliá-los a se desvincularem de padrões repetitivos anteriormente aprendidos. Entre em contato pelo instagram @psicologia_em_reflexao
Escrito por:
Suzi Mara Freitas Silva
Fernando de Paula Lima
Ilustração por:
Manon de Jong
@monann_illustration
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