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  • Foto do escritorMaria Laura Veríssimo Teixeira

Violência obstétrica: um grito silencioso

O termo violência obstétrica é usado para caracterizar diversas ações violentas que ocorrem durante a prática profissional do obstetra, ou seja, maus-tratos físicos, psicológicos, verbais e até mesmo a prática de procedimentos desnecessários e/ou invasivos como por exemplo episiotomias (incisão ou corte na região do períneo - área muscular entre a vagina e o ânus - realizado pelo profissional responsável para ampliar a via de parto)¹. Infelizmente, os relatos sofridos por mulheres durante o parto aumentam progressivamente, histórias que mostram a violação da dignidade e respeito de todo ser humano².


Historicamente, até o início do século passado, o parto era um espaço essencialmente feminino, em que toda a assistência, tanto da mãe quanto do recém-nascido, era exercida pelas mãos das parteiras, na privacidade do espaço domiciliar e na presença de pessoas conhecidas e de confiança da parturiente (quem está em trabalho de parto). Porém, a partir da Segunda Guerra Mundial, nos anos 40, houve uma alteração nesta cena e, com isso, uma institucionalização do parto³. Aqui vale uma reflexão, embora não seja de todo mal essa regularidade institucional, durante anos e, ainda hoje, principalmente para mulheres de baixa renda, percebe-se a acentuada medicalização do parto e a perda da autonomia e privacidade da parturiente.


Com os avanços, o debate em torno da necessidade de mudanças vêm à tona. Segundo Velloso (2014), em 2004, a Argentina, foi o primeiro país latino-americano a reconhecer legalmente a violência obstétrica, seguido pela Venezuela em 2007. Lamentavelmente, ainda não há no Brasil uma lei específica que reconheça a violência obstétrica como uma violação dos direitos das mulheres². Por esse motivo, deixo aqui os seguintes passos: denunciar nos canais públicos Disque 180 (violência contra a mulher), Disque 136 (Disque Saúde); fazer uma reclamação na ouvidoria do hospital e exigir o número de protocolo; denunciar na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), se for atendida pelo plano; denunciar no Ministério da Saúde; denunciar o hospital junto ao ministério público; ingressar com representação administrativa junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e, por fim, procurar um advogado que tenha, de preferência, especialidade no assunto⁴.


Considerando as questões abordadas previamente, é de extrema importância definir alguns tipos de ações que configuram a violência obstétrica. Segundo o dossiê elaborado pela Rede Parto do Principio para a CPMI da Violência contra as Mulheres em 2012 são elas:

  • Violência obstétrica física: realização de práticas invasivas; administração de medicamentos não justificáveis pelo estado da parturiente ou por quem irá nascer; não respeitar o tempo ou as possibilidades de parto biológico;

  • Violência obstétrica psíquica: tratamento desumanizado, grosseiro, humilhação e discriminação; omissão de informações durante a evolução do parto;

  • Violência obstétrica sexual: violação da intimidade ou pudor da mulher, incidindo sobre seu senso de integridade sexual e reprodutiva²;

Quando mencionamos os dados, essa situação se torna ainda mais alarmante. Segundo uma pesquisa divulgada em 2010 no Brasil, intitulada “Na hora de fazer não gritou”, uma em cada quatro mulheres brasileiras já sofreram violência no parto. Esse estudo científico faz parte de uma ampla investigação nomeada Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado (Venturi; Godinho, 2010), coordenada pela Fundação Perseu Àbramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC) e ficou conhecida pela sua ampla divulgação pela internet. Deploravelmente, a frase “não chora, não, que ano que vem você está aqui de novo” foi a frase mais ouvida pelas mulheres com 15% dos resultados, seguida com 14% por “na hora de fazer não gritou”, título da pesquisa. Em sua totalidade, 23% das entrevistadas ouviram alguma importunação durante o parto.


Atualmente, vive-se no Brasil, o que pode-se chamar de paradoxo perinatal, ou seja, uma contradição: ao mesmo tempo em que há melhorias significativas na ampliação do acesso aos serviços de saúde e disponibilidade de tecnologias para diagnóstico para as mulheres, há uma intensa medicalização do parto e do nascimento, com a manutenção de taxas elevadas de morbimortalidade materna (índice de pessoas mortas em decorrência de uma doença específica dentro de determinado grupo populacional) e perinatal (período entre a 20a semana de vida intra-uterina e se estende até o 28º dia pós-neonatal). Esse conjunto sinaliza a baixa qualidade de atenção e assistência ao pré-natal e ao parto³ e, alterar esse cenário, além de complexo é extremamente necessário.


Por fim, como dizia Hannah Arendt, filósofa política alemã: “toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história”. Diversas mulheres já sofreram e sofrem violência obstétrica e suas consequências e, cabe a nós, lutarmos pela mudança dessa realidade. Há vários comportamentos dos profissionais de saúde que deixam de valorizar e respeitar a dignidade e autonomia da parturiente e, tais atitudes, devem ser revistas e os profissionais sempre passarem por processos de atualizações profissionais. Em acréscimo, se você se identificou com algum desses fatores ou conhece alguém que possa ter passado por violência obstétrica procure ajuda. Não podemos mais deixar que esse tipo de violência passe impune. Denuncie!


Há vários comportamentos dos profissionais de saúde que sinalizam a desvalorização e a falta de respeito com a dignidade e autonomia da parturiente. Tais atitudes, devem ser denunciadas e revistas. Em acréscimo, se você se identificou com algum desses fatores ou conhece alguém que possa ter passado por violência obstétrica, procure ajuda. Não podemos deixar que esse tipo de violência continue impune. Denuncie!


Referências:

1) Recomendações Febrasgo parte II – Episiotomia. 10 de dezembro de 2018. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/715-recomendacoes-febrasgo-parte-ii-episiotomia


2) PEREIRA, JÉSSICA SOUZA; SILVA, JORDANA CUNHA DE OLIVEIRA;BORGES, NATÁLIA ALVES; RIBEIRO, MAYARA DE MELLO GONÇALVES; AUAREK, LUIZA JARDIM; SOUZA JOSÉ HELVÉCIO KALIL DE. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: OFENSA À DIGNIDADE HUMANA. 05 DE MAIO DE 2016


3) OLIVEIRA, Virgínia Junqueira; PENNA, Cláudia Maria de Mattos. O DISCURSO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NA VOZ DAS MULHERES E DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE. Texto contexto - enferm., Florianópolis , v. 26, n. 2, e06500015, 2017 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072017000200331&lng=en&nrm=iso>. access on 20 Mar. 2021. Epub July 03, 2017. http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017006500015.


4) Sofri Violência Obstétrica, o que fazer?. Publicado por Trotta e Beiriz Advocacia. Disponível em: https://thaisabeiriz.jusbrasil.com.br/artigos/636190057/sofri-violencia-obstetrica-o-que-fazer

PALHARINI, Luciana Aparecida. Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violencia obstétrica no Brasil. Cad. Pagu, Campinas , n. 49, e174907, 2017 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332017000100307&lng=en&nrm=iso>. access on 20 Mar. 2021. Epub Dec 07, 2017. https://doi.org/10.1590/18094449201700490007

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